" Se a sorte foi um dia alheia ao meu sustento, não houve harmonia entre ação e pensamento."

"Se a sorte foi um dia alheia ao meu sustento, não houve harmonia entre ação e pensamento." - Renato Russo

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Referências Pré-Socráticas: Heráclito

Heráclito de Éfeso


Por Gustavo Lourenço da Silva

- Panta Rhei e a Harmonia dos Contrários
A doutrina de Heráclito herdou, de certa forma, o conceito do Dinamismo Universal apenas implícito nos pensamentos dos filósofos de Mileto. Sua doutrina creditava o movimento e a inconstância como princípio da realidade, porém nesse dinamismo, sustentado pelo equilíbrio entre os contrários, não é tratado como um simples movimento caótico, e sim uma passagem interativa e ordenada de um contrário ao outro. A PHYSIS se derivaria do conflito eterno entre os contrários nos particulares (microambiente), mas de uma harmonia entre eles em seu conjunto (macroambiente).


-O Fogo como Princípio

Partindo então da tendência monista, o filósofo identifica o fogo e suas propriedades como a natureza de todas as coisas: O fogo expressa de modo exemplar as características de mudança contínua, contraste e harmonia. Com efeito, o fogo está em constante movimento, é vida que vive da morte de seu combustível, transformando-o este em cinzas, fumaça e vapores, e necessitando dessa transformação para arder.


- Em relação à Alma

Heráclito acolheu em sua filosofia da PHYSIS alguns preceitos Órficos, creditando uma expectativa em relação à vida da alma além do corpo físico, dizia ele: “Depois da morte, esperam pelos homens coisas que eles não esperam nem imaginam.”. Também considerava o filósofo, mesmo no âmbito de um horizonte físico, uma dimensão infinita da alma humana. Entretanto, não podemos estabelecer precisamente de que modo o filósofo procurava conectar essas interpretações do Orfismo em sua doutrina da PHYSIS.


-Inovações no pensamento de Heráclito

Além de apresentar um novo nível explicitado do Dinamismo Universal entre os monistas-naturalistas, o pensamento de Heráclito já emerge uma série de questões referente à verdade e ao conhecimento, que ganhariam corpo sólido em debates filosóficos em toda Grécia, principalmente em relação aos sentidos, pois estes detêm as aparências das coisas. O filósofo também precavia sobre as opiniões dos homens, baseadas na aparência e seus julgamentos. Para ele a Verdade consistia captar, para além dos sentidos, a inteligência que governa todas as coisas, e assim, sentia-se profeta desta inteligência com sua filosofia.


Fragmentos dos Escritos de Heráclito


-A Harmonia dos Contrários Segundo o Qual o Devir se Desenvolve


“O que é oposição se concilia e das coisas diferentes nasce a mais bela harmonia, e tudo é gerado por via do contraste”
Heráclito,    fr. 8 Diels-Kranz

“O conflito é pai de todas as coisas; A uns põe como deuses, a outros como homens, torna uns escravos e outros livres.”
Heráclito, fr.126 Diels-Kranz

Assim como Anaximandro, Heráclito coloca a Guerra entre os Contrários como ponto de partida para definir seu conceito de princípio da realidade, porém divergindo dele, esclarece que o conflito entre os opostos existe não porque há uma injustiça intrínseca no universo, mas sim que deste conflito nascia uma harmonia, e portanto, maravilhosa síntese unitária que sustentava toda a realidade através desta dinâmica.  Em sua proposta filosófica este fundamento tem total relevância e é o que o define e personifica seu pensamento como singular entre os filósofos pré-socráticos. As inferências trazidas ao campo da filosofia através deste pensamento de Heráclito possuem certa relevância para os debates da época, mas depois é sublocado, dando lugar a discussões sobre o Ser, uno e completo, que sustentaria toda a realidade sensível.

“Eis as conjunções: Inteiro – não inteiro, concorde – discorde, harmônico – desarmônico. E a partir de todas as coisas o uno, e a partir do uno todas as coisas.”Heráclito fr.10 Diels-Kranz

“Existe uma só sabedoria: Reconhecer a inteligência que governa todas as coisas através de todas as coisas.”
Heráclito fr.45 Diels-Kranz

“Não me ouvindo, mas ouvindo o logos, é sábio afirmar que tudo é uno.”
Heráclito fr.50 Diels-Kranz

Seguindo uma tendência em ascensão em filósofos do mesmo período, Heráclito desenvolve a ideia de uma Unidade que ligaria todas as coisas, como Xenófanes, de certa forma fazia uma crítica a teologia de sua época instrumentalizando uma razão contestadora, porém apesar de concordar com esta premissa não a articula de modo a sustentar sua ideia de Dinâmica Universal entre os contrários, ou seja, o movimento harmônico entre os opostos como princípio da realidade. Este conceito de Unidade permeou muitos níveis de interação entre os filósofos, atravessando gerações, encontrando seu maior percursor em Parmênides, da escola Eleata, entre outros filósofos, que faziam forte oposição as ideias do Heráclito, sustentando que  o princípio da realidade era o Ser, uno, completo e IMÓVEL, que abrangia tudo que existia, porque era, e não podia não ser.

- Desenvolvimento dos pensamentos órficos em Heráclito


Depois da morte aguardam os homens coisas que eles não esperam, nem imaginam.
Heráclito fr.27 Diels-Kranz

Os confins da alma não poderás jamais encontrar, por mais que percorras seus caminhos, tão profundo é seu logos.
Heráclito fr.62 Diels-Kranz

Difícil é a luta contra o desejo, pois aquilo que ele quer, ele o compra a custa da alma.
Heráclito fr.85 Diels-Kranz

Heráclito retoma os pensamentos órficos e o desenvolve a sua maneira, esboçando um sistema de crenças que alude a uma vida da alma além do corpo e os possíveis castigos ou dádivas concedidas após a morte. Identificando os homens como seres mortais - imortais, ou vice versa, conforme os considera a partir do corpo físico ou da alma. Acentua um forte senso de virtude que difere da violência, poder de combate, voltando este conceito à sabedoria, inteligência e ao bem comunitário, também precavendo numa síntese a ilusão dos sentidos através da aparência (de maneira mais sóbria de que a de Parmênides, de certa forma), e sobre a força motriz do Desejo, condenando-os aos limites da carne e expondo-os desconectado das virtudes da alma. A aderência às crenças órficas era comum em filósofos pré-socráticos, monistas ou não, Pitagóricos entre outras correntes filosóficas basearam crenças através do Orfismo, porém Heráclito não traçou um paralelo sólido entre essas concepções e sua doutrina sobre a PHYSIS.

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